Certa vez, ano passado, arrisquei comer cogumelos alucinógenos pela primeira (porém não última) vez e senti meu ego derreter por completo — isso mesmo, essas coisas de jovem místico. Nem vou entrar no mérito da viagem astral, espiritual, psicodélica, colorida, imagética e sonora que tive (isso eu deixo pra mesa de bar pra quem quiser saber). O que importa dessa experiência insana foi que, uma vez que o ego havia derretido abstrata e filosoficamente, o que sobrou por baixo de um véu ególatra foi justamente o título desse texto: os sonhos, os medos.

Quando a camada da superfície se dissolve, é como estar sobre um palco de teatro e repentinamente deixar de atuar, permitindo que o público veja o ator ao invés do personagem; é o palhaço que acidentalmente deixa o nariz cair no chão e se sente artisticamente pelado. Afinal, se as relações egocêntricas são puro teatro e figurino, quando tudo isso cai por terra, o que raios vai sobrar?

Daria uma música do Gabriel, o Pensador essas discussões morais sobre “quem lhe resta de si próprio se lhe é tirado cargo, conquistas, roupas, dinheiro, status social, aparência e hierarquias?” Bom, tenho certeza que sobra muita coisa, mas é que você não tá prestando atenção (nem eu, nem ninguém). O que me parece escapar por debaixo do véu, cada vez mais como uma criança que se esconde atrás da cortina com os pés à mostra, são os sonhos — que te fazem ansiar — e também os medos — que, ora!, também te fazem ansiar (e você anseia pra caralho que eu sei).

E, se somos todos espelhos de nós mesmos e reflexos de todos os outros, é fácil concluir que todo mundo e qualquer um é sonho na coxia, medo no camarim — no palco tá todo mundo fingindo ser forte, já que é o “melhor” jeito de aguentar a pressão que é ainda estar vivo ao acordar e ter que levantar da cama continuamente. Ninguém tá puro, ninguém tá tão certo do que diz, MUITO MENOS certo de quem pensa ser. O outro, perante o outro outro que é você mesmo, no caso, não é o que o personagem dele lhe diz ou o personagem que você acha que a ele lhe cabe; o outro é o pé da criança atrás da cortina, morrendo de ansiedade de ser descoberto e morrendo de felicidade ao ser descoberto.

Talvez uma evolução das relações que aqui proponho seja pararmos de ler os rótulos e passar a perguntar os processos de cultivo do que é vivo. O que move o outro, o que o fez chegar até ali? O que almeja e tem medo de não dar certo?, o que receia e tem receio de compartilhar em público? Qual é o fantasma embaixo da cama dessa criança que paga contas?

O ego fica muito braboso quando a gente dá menos bola pra ele, sem focar nas pompas, intrigas, críticas e venerações à carcaça humana. Ele é escanteado quando a gente se preocupa francamente com a camada anterior, a ponto de desatar os nós, desinflamar e, por que não, anti-inflamar as faíscas que insistimos em alimentar.

Os medos que me tiram o sono me aproximam de quem se importa em escutá-los de verdade, os sonhos que projeto (e a maioria dá errado, normal) e que compartilho bobo me humanizam em carne e espírito desejante, que sofre fora dos recortes digitais, que nem sempre tem vitórias a mostrar, que às vezes é só o olhar desamparado de ter falhado e caído de um cavalo de cinco metros de altura, que às vezes só quer o colo da mãe e assistir um desenho velho.

Os cogumelos, coisa de adulto, fazem você ficar com os pés aparentes atrás da cortina, coisa de criança. O ego, que era pra ser coisa de adulto, é coisa de criança; os sonhos e os medos, por sua vez, parecem história de ninar, ainda que sejam, entre as adultezas da vida, as fragilidades mais vulneráveis que o palco do horário nobre insiste em esconder.

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Me conectando com o mundo e com as pessoas através da escrita. Às vezes perdido, mas nunca deixando de procurar meu próprio caminho. Me acompanhe no Instagram.

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O.

Os fatos aleatórios das últimas semanas que tiraram meu sono.

Pernilongos malditos.

Pernilongos malditos por toda a parte zumbindo no meu ouvido, zanzando pela casa abafada, picando a minha pele com seus narizes gigantes e se deliciando com o almoço farto do meu sangue gelado — não há repelente que dê conta. Acho maluquice pensar que a espécie humana, que descobriu outros planetas, inventou o avião e o microondas, é a mesma que tem vontade de declarar guerra contra insetos insuportáveis. Como eu particularmente não sou capaz de encontrar novos planetas nem inventar aviões e forno microondas, então sobrou pra vocês, pernilongos. Eu vos declaro guerra. Ou eu acabo com vocês ou começarei a dar cabeçadas na parede.


Sonambulismo que me tira o sono. Ou não.

Sonâmbulo eu sempre fui, mas faz pouco tempo que sou sonâmbulo morando sozinho. Já acordei destrancando a porta de casa, descendo escada ou apenas sentado na cama como se fosse um zumbi que acabou de passar pela transformação pós-morte. Às vezes vejo roupas pelo quarto e acho que são pessoas, fico fitando camisas por muitos minutos tentando imaginar se estou vendo fantasmas, pessoas vivas ou se isso é apenas sintoma inicial de uma iminente esquizofrenia. Um dia descubro e volto pra contar.


A inteligência artificial me fascina e me deprime na mesma intensidade.

Pensar se a I.A. vai acabar com todos os empregos, dominar o mundo, fazer a vida humana perder o sentido e ainda por cima te fazer se sentir um completo inútil e imbecil tem tomado boas horas do meu dia. Ao mesmo tempo, não quero ficar discutindo sobre isso com outras pessoas sem chegar a conclusão nenhuma. Quando quero conversar, eu falo com… Bom, eu falo com o ChatGPT mesmo.


Envelhecer é foda.

Não ligo de ficar velho. Mas ligo de acordar meio surdo do ouvido esquerdo, do nervo ciático doer só pra me lembrar que ele existe, das ressacas do dia seguinte passarem a ser como uma paulada dentro da cabeça, de ter crises de ansiedade por imaginar um futuro próximo inabitável e de estar mais ranzinza a cada novo velho dia. Mas são só detalhes, pois, afinal, não ligo de ficar velho.


Desperdiçar o tempo é como areia caindo entre os dedos.

Quando tô há horas no celular rolando vídeos de gatinhos, de políticos estúpidos e de estadunidenses fazendo nojeira com comida ultraprocessada, bate um peso na consciência e juro pra mim mesmo que vou voltar a ler mais, a escrever meus livros, procrastinar menos, viver uma vida mais significativa e por aí vai. Mas, pasme, isso tem o mesmo peso de uma promessa de academia na próxima segunda-feira: completamente nulo. Pois bem, é isso, galera, vamos morrer desperdiçando a maior parte da vida discutindo com desconhecidos na internet e ficando com a ponta do dedão calejada. Conformemo-nos.


Pernilongos malditos, reprise.

Matei mais um detestável, cruel, nocivo, execrável mosquito do inferno enquanto escrevo, deitado na rede, esses devaneios efêmeros e pessimistas. A guerra nunca acabará (e eles estão ganhando).


Os adendos que ninguém perguntou.

  • Estou namorando. Se apaixonar é uma doença, (não) recomendo.
  • Todo dia de calor de verão em pleno outono me causa um leve desespero ambiental.
  • Tenho feito pratos veganos maravilhosos e estou muito orgulhoso disso.
  • Morar na praia foi a melhor decisão que tomei na vida.
  • Faça manutenção na casa, nas coisas, na própria saúde. Antes que tudo quebre ao mesmo tempo e você queira chorar em posição fetal.
A.

A beleza não é um fato que me induz, é uma subjetividade que me encanta.

O que te pega? Comida? Viagens? Amizades? Diversão? Hein, o que te pega? Aquela COISA na sua vida que te dá um prazer interno e subconsciente, e que às vezes te move sem você ao menos perceber que está sendo guiado por ela. Seja por dopamina ou por serotonina, tem vício que a gente só gostaria de poder sustentar por toda a vida, 24h por dia.

Assim: o que me pega real é a beleza, pura e simplesmente. Não que estejam nela os valores nutricionais daquilo que mais importa na vida, mas é como o sal: sem ele, a comida fica sem graça e você até perde a fome. Mas esquece a beleza visual (e padrão) dos corpos e rostos, que passou a ser o único sinônimo da palavra beleza; quero falar, na verdade, sobre tudo que é belo. Nada de anjos em quadro renascentista nem músicas calmas, suaves — tem horas que é só sobre a vida sendo contemplada mesmo, por mais suja e visceral que possa vir a ser.

Tava aqui esses dias pensando com meus botões sobre como eu gosto de observar a beleza. Já trabalhei por anos com fotografia (de ensaios e eventos) e hoje é um hobby que me faz exercitar essa observação constante. Gosto de admirar lugares, perceber pessoas e sentir experiências que me deem essa sensação de puta que pariu, como tudo isso é BONITO. Mas calma lá!, que tampouco tem a ver com o paraíso de folheto dos testemunhas de Jeová.

Imagem pelo artista estadunidense Esalazar.

É mais sobre apreciar e deslumbrar-se com a vida humana ao redor (e de todos os seres) do que sobre distinguir o belo do feio. É a contemplação dos detalhes e dos pequenos prazeres.

Em outro momento, pensando mais ainda com meus botões, percebi que observar muito a beleza me leva naturalmente a querer também construí-la. Através do design, das receitas veganas que gosto de preparar, da escrita (ficcional ou não) e das ideias em geral, o primeiro critério que me dá um gás pra levantar a bunda do sofá e botar a mão na massa é imaginar algo que não existe, que deveria existir, que eu mesmo posso fazer existir e que seja muito bonito. Um design agradável, uma comida que você primeiro coma com os olhos, um texto fluido como uma conversa e uma ideia que seja irreverente e cause êxtase por seu simples surgimento num momento eureca!.

Quem é da criação tá sempre falando disso com outros criadores: o que te inspira? Você tem ideia pra uma história primeiro através do cenário, dos personagens ou do roteiro? Ou algo do tipo: você pensa num prato pela combinação de sabores, pela textura ou pela cultura de onde ele veio? Enfim, mais ou menos por aí.

Eu, particularmente, começo mesmo pela estética (não-literal nem visual). Pela estética da agradabilidade, melhor dizendo. É construir a beleza como fundamento sinestésico de todas as camadas subsequentes. Através dela, todo o resto se encaixa e faz sentido. Vou sentindo contentamento enquanto o que se haverá ainda se concebe; vou tendo prazer em botar no mundo uma mistura (des)equilibrada de caos com ordem, nojo com pureza, temor com amparo. Palavrão com poesia.

Pois, hão de concordar comigo, que se o yin-yang ☯︎ é perfeito, não é pelo seu lado branco com núcleo preto sequer pelo oposto. É pelo todo. É porque o que é belo não é listado, não está num livro de regras, muito menos em convenções sociais que vão se moldando com o passar dos séculos (ainda que a gente queira acreditar nisso e discutir dessa forma limitada). É porque o todo só se percebe durante a concentração do vulgar e do mundano, para que faça sentido amplo.

Para se observar a beleza de tudo que existe, vivo ou morto, imperfeito e natural. Poético.

Para construir a beleza daquilo que se imagina, incompreensível ou benquisto. Misterioso, desconhecido. Poético.

Para então deleitar-se, por dentro, e dar vida à vida, por fora.

É assim que se enfeita os sorrisos e que se dramatiza as lágrimas.

Com uma beleza que só você pode determinar se é de fato tão bela assim. Com poesia.


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