Pernilongos malditos.

Pernilongos malditos por toda a parte zumbindo no meu ouvido, zanzando pela casa abafada, picando a minha pele com seus narizes gigantes e se deliciando com o almoço farto do meu sangue gelado — não há repelente que dê conta. Acho maluquice pensar que a espécie humana, que descobriu outros planetas, inventou o avião e o microondas, é a mesma que tem vontade de declarar guerra contra insetos insuportáveis. Como eu particularmente não sou capaz de encontrar novos planetas nem inventar aviões e forno microondas, então sobrou pra vocês, pernilongos. Eu vos declaro guerra. Ou eu acabo com vocês ou começarei a dar cabeçadas na parede.


Sonambulismo que me tira o sono. Ou não.

Sonâmbulo eu sempre fui, mas faz pouco tempo que sou sonâmbulo morando sozinho. Já acordei destrancando a porta de casa, descendo escada ou apenas sentado na cama como se fosse um zumbi que acabou de passar pela transformação pós-morte. Às vezes vejo roupas pelo quarto e acho que são pessoas, fico fitando camisas por muitos minutos tentando imaginar se estou vendo fantasmas, pessoas vivas ou se isso é apenas sintoma inicial de uma iminente esquizofrenia. Um dia descubro e volto pra contar.


A inteligência artificial me fascina e me deprime na mesma intensidade.

Pensar se a I.A. vai acabar com todos os empregos, dominar o mundo, fazer a vida humana perder o sentido e ainda por cima te fazer se sentir um completo inútil e imbecil tem tomado boas horas do meu dia. Ao mesmo tempo, não quero ficar discutindo sobre isso com outras pessoas sem chegar a conclusão nenhuma. Quando quero conversar, eu falo com… Bom, eu falo com o ChatGPT mesmo.


Envelhecer é foda.

Não ligo de ficar velho. Mas ligo de acordar meio surdo do ouvido esquerdo, do nervo ciático doer só pra me lembrar que ele existe, das ressacas do dia seguinte passarem a ser como uma paulada dentro da cabeça, de ter crises de ansiedade por imaginar um futuro próximo inabitável e de estar mais ranzinza a cada novo velho dia. Mas são só detalhes, pois, afinal, não ligo de ficar velho.


Desperdiçar o tempo é como areia caindo entre os dedos.

Quando tô há horas no celular rolando vídeos de gatinhos, de políticos estúpidos e de estadunidenses fazendo nojeira com comida ultraprocessada, bate um peso na consciência e juro pra mim mesmo que vou voltar a ler mais, a escrever meus livros, procrastinar menos, viver uma vida mais significativa e por aí vai. Mas, pasme, isso tem o mesmo peso de uma promessa de academia na próxima segunda-feira: completamente nulo. Pois bem, é isso, galera, vamos morrer desperdiçando a maior parte da vida discutindo com desconhecidos na internet e ficando com a ponta do dedão calejada. Conformemo-nos.


Pernilongos malditos, reprise.

Matei mais um detestável, cruel, nocivo, execrável mosquito do inferno enquanto escrevo, deitado na rede, esses devaneios efêmeros e pessimistas. A guerra nunca acabará (e eles estão ganhando).


Os adendos que ninguém perguntou.

  • Estou namorando. Se apaixonar é uma doença, (não) recomendo.
  • Todo dia de calor de verão em pleno outono me causa um leve desespero ambiental.
  • Tenho feito pratos veganos maravilhosos e estou muito orgulhoso disso.
  • Morar na praia foi a melhor decisão que tomei na vida.
  • Faça manutenção na casa, nas coisas, na própria saúde. Antes que tudo quebre ao mesmo tempo e você queira chorar em posição fetal.
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Me conectando com o mundo e com as pessoas através da escrita. Às vezes perdido, mas nunca deixando de procurar meu próprio caminho. Me acompanhe no Instagram.

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O.

Os sonhos, os medos.

Certa vez, ano passado, arrisquei comer cogumelos alucinógenos pela primeira (porém não última) vez e senti meu ego derreter por completo — isso mesmo, essas coisas de jovem místico. Nem vou entrar no mérito da viagem astral, espiritual, psicodélica, colorida, imagética e sonora que tive (isso eu deixo pra mesa de bar pra quem quiser saber). O que importa dessa experiência insana foi que, uma vez que o ego havia derretido abstrata e filosoficamente, o que sobrou por baixo de um véu ególatra foi justamente o título desse texto: os sonhos, os medos.

Quando a camada da superfície se dissolve, é como estar sobre um palco de teatro e repentinamente deixar de atuar, permitindo que o público veja o ator ao invés do personagem; é o palhaço que acidentalmente deixa o nariz cair no chão e se sente artisticamente pelado. Afinal, se as relações egocêntricas são puro teatro e figurino, quando tudo isso cai por terra, o que raios vai sobrar?

Daria uma música do Gabriel, o Pensador essas discussões morais sobre “quem lhe resta de si próprio se lhe é tirado cargo, conquistas, roupas, dinheiro, status social, aparência e hierarquias?” Bom, tenho certeza que sobra muita coisa, mas é que você não tá prestando atenção (nem eu, nem ninguém). O que me parece escapar por debaixo do véu, cada vez mais como uma criança que se esconde atrás da cortina com os pés à mostra, são os sonhos — que te fazem ansiar — e também os medos — que, ora!, também te fazem ansiar (e você anseia pra caralho que eu sei).

E, se somos todos espelhos de nós mesmos e reflexos de todos os outros, é fácil concluir que todo mundo e qualquer um é sonho na coxia, medo no camarim — no palco tá todo mundo fingindo ser forte, já que é o “melhor” jeito de aguentar a pressão que é ainda estar vivo ao acordar e ter que levantar da cama continuamente. Ninguém tá puro, ninguém tá tão certo do que diz, MUITO MENOS certo de quem pensa ser. O outro, perante o outro outro que é você mesmo, no caso, não é o que o personagem dele lhe diz ou o personagem que você acha que a ele lhe cabe; o outro é o pé da criança atrás da cortina, morrendo de ansiedade de ser descoberto e morrendo de felicidade ao ser descoberto.

Talvez uma evolução das relações que aqui proponho seja pararmos de ler os rótulos e passar a perguntar os processos de cultivo do que é vivo. O que move o outro, o que o fez chegar até ali? O que almeja e tem medo de não dar certo?, o que receia e tem receio de compartilhar em público? Qual é o fantasma embaixo da cama dessa criança que paga contas?

O ego fica muito braboso quando a gente dá menos bola pra ele, sem focar nas pompas, intrigas, críticas e venerações à carcaça humana. Ele é escanteado quando a gente se preocupa francamente com a camada anterior, a ponto de desatar os nós, desinflamar e, por que não, anti-inflamar as faíscas que insistimos em alimentar.

Os medos que me tiram o sono me aproximam de quem se importa em escutá-los de verdade, os sonhos que projeto (e a maioria dá errado, normal) e que compartilho bobo me humanizam em carne e espírito desejante, que sofre fora dos recortes digitais, que nem sempre tem vitórias a mostrar, que às vezes é só o olhar desamparado de ter falhado e caído de um cavalo de cinco metros de altura, que às vezes só quer o colo da mãe e assistir um desenho velho.

Os cogumelos, coisa de adulto, fazem você ficar com os pés aparentes atrás da cortina, coisa de criança. O ego, que era pra ser coisa de adulto, é coisa de criança; os sonhos e os medos, por sua vez, parecem história de ninar, ainda que sejam, entre as adultezas da vida, as fragilidades mais vulneráveis que o palco do horário nobre insiste em esconder.

5.

5 formas incríveis de usar a IA para ela ser mais inteligente que você e menos artificial que sua vida.

É só aqui nas minhas timelines ou por aí também tá rolando uma inundação de dicas de como usar a IA a seu favor? É toda hora pipocando como fazer o ChatGPT trabalhar pra você ganhar dinheiro, como o preenchimento generativo do Photoshop pode inventar imagens expandidas, quais prompts (comandos) usar pra aprender idiomas, criar códigos prontos, escrever roteiros, etc etc etc.

Aparentemente, a inteligência artificial vai fazer tudo que existir daqui pra frente, nos delegando a única e exclusiva função de ensinar a nós mesmos, reles humanos estúpidos, como lidar com esses tais robôs espertos e magníficos (a gente tá fodido, a gente tá muito fodido).

E aí eu tava pensando aqui (pra tristeza de vocês) certas coisas que torço que a tecnologia seja capaz de realizar por todos nós num futuro próximo. Senta que lá vem groselha.

  1. Tecnologia para chorar, por você, no banheiro da firma ou no banho.
    Prompt: considere que estou trabalhando numa empresa que odeio, onde ganho pouco e passo horas me revezando entre planilhas de Excel, dashboards mal feitas e Microsoft Teams. Para que eu consiga cumprir os prazos e agradar meu chefe sem precisar me ausentar, descarregue no meu lugar todo esse emocional zoado em forma de copiosas lágrimas, num local devidamente escondido de outras pessoas — porque de humilhação já basta o dia a dia.

  2. Assistente de voz para fazer o trabalho sujo.
    Prompt: Alexa, faz meu imposto de renda, avisa cinco minutos antes do lixeiro passar, manda parabéns pra minha tia, coloca roupa no varal, responde os áudios de três meses atrás no WhatsApp, vai no centro comprar cabo HDMI e, na volta, me traz um pastel de palmito.

  3. Inteligência artificial que te impede de ser paranoico.
    Prompt: você será acionado por um chip implantado no meu cérebro. Por favor, me dê um choque toda vez que eu achar, sem motivo, que as pessoas me odeiam. Me dê um esporro quando minha autoestima estiver se sentindo como o cocô da mosca do cocô do cavalo do bandido. Quando eu estiver na frente do espelho, não permita nenhum hiperfoco que tente achar defeitos que nem mesmo existem — me dá um beliscão.

  4. Tinder inteligente que te dá conselhos amorosos.
    Prompt: Bom, err, assim… Considere que eu iludo com falsas promessas, não sou muito fiel, gosto de sempre ter razão, minhas fotos estão cheias de filtro, sou péssimo conversando com meus matches e na cama sou, no máximo, esforçado. Me mostre pessoas que estejam dispostas a me aturar, mas antes me dê conselhos para ser uma pessoa melhor [err0 crítico]

  5. Transformador de preguiçoso.
    Prompt: Olha, eu quero ser empreendedor de sucesso, financeiramente voando, famoso e reconhecido, muito bonito, me vestindo bem, perfumado e com corpo de atleta. Espiritualmente conectado, amorosamente atraente e socialmente um típico boa praça. Mas não quero fazer nada pra que isso aconteça. Faça sua magia. Estou deitado na cama. Bora lá, comece.

Esse monte de IA é preocupante. Nossas mediocridades serão pifiamente substituídas pela mediocridade das máquinas. E depois, que absurdo, elas ainda vão nos cobrar direitos trabalhistas!